sexta-feira, 1 de julho de 2011

Chegando em Mhaswad

Foto do ônibus para chegar em Mhaswad


Londres. Acordo as 5:20h da manhã, depois de muitas tentativas de dormir por algumas poucas horas. Sonhei com tudo, acordei o tempo inteiro, medo de perder o vôo, etc. Não descansei.

Pego os mil metrôs de Londres, chego no aeroporto 1:30h depois.
- “Tenho um vôo agora as 9:45h para Mumbai”.
- “Desculpe senhor, este vôo foi alterado desde o dia 22 de junho. Será só as 13:15h”.
No meu pensamento algumas palavras impróprias para a bela mocinha que me atendia... mas não disse nada!
Fiquei das 7:30h da manhã às 13:15h em Londres trancado em um aeroporto que não tinha sequer uma cadeira livre para sentar. Consegui dormir no chão por meia hora - até que vi uma fila de check in se formando ao meu lado..

Aí sim a viagem Índia começou: entrei na fila para o embarque com todas aquelas pessoas esverdeadas (desculpa!), com pingentes no meio da testa, roupas coloridas exóticas (para um ocidental)... e entro no avião com destino a Mumbai! Música indiana da novela das oito rolando quando entrei, e 95% de Indianos no avião!!! Uh-hu... to indo mesmo!!!!

A alegria não foi tão longe. Em uma fileira de três poltronas na qual me sentei, a do meio ficou vazia, separando-me de uma senhora indiana inesquecível. Além de falar sozinha bastante parte do vôo (ou estava rezando, não sei) e dar alguns arrotos modestos, resolveu ocupar a poltrona vazia entre a gente para se estirar e dormir um pouco. Só que, na verdade, ela queria ocupar a minha poltrona também, porque ficou com seus lindos pés me empurrando, ou limpando-os na minha blusa que às vezes eu colocava nessa poltrona “sem dono” – quando não estava tomada pela senhora. Mas, fora isso, foi tranqüilo para dormir durante 9h de vôo com 759 crianças pulando e chorando... por isso estou super descansado até agora!! Obrigado, gente!!

Desço em Mumbai morrendo de medo de minha mala ter sido extraviada. Imagina?? Mas, não, aos 45min do segundo tempo a vejo saindo das “Portas da Esperança” da esteira das bagagens! Ufa...

4:00h da manhã. Calor e umidade altíssimos... quase que insuportável. Teoricamente eu iria passar a noite em Mumbai, mas como o vôo atrasou e eu teria 2 horas para dormir só (o trem sairia as 7h da manhã), decidi não dormir e continuar a viagem. Resolvi pegar um taxi até uma cidade no meio do caminho, Pune, de onde eu tomaria um ônibus.
Sigo as instruções “não pegue taxis fora do aeroporto, faça-o no balcão interno e já feche e pague o preço combinado”. Só tinha um detalhe: eu não costumo andar com rúpias indianas na carteira. Tentei dois caixas eletrônicos. “Procedimento indisponível. Tente mais tarde. Obrigado”.
Super legal e nada desesperadorl!

Falei com o cara do taxi e pedi para que me levasse em algum outro caixa da cidade que não estivesse com problema (ou o problema seriam meus cartões!?!?!? Pensamentos catastróficos me rodearam...). Pedi a ele para me comprar água e uma batata... que pagaria depois de encontrar o dinheiro em uma máquina “boazinha”.
Primeira máquina encontrada a alguns quilômetros dalí: nada de funcionar. Máquina 2: nada. 
- “To ferrado se meus cartões não funcionarem!!! Me desculpe! Poderia me levar de volta até o aeroporto, por favor? Tenho 6 euros aqui se servir para pagar essas voltas que o senhor deu...”
De repente, o co-piloto (sim, era o cara que falava inglês comigo) me pergunta se eu teria dólares e eu quase grito de alegria!!! Tinha uns dólares que trouxe do Brasil e nem lembrava mais... foi a salvação! Mas precisava de uma casa de câmbio para trocar por rúpias - e aquela hora da manhã. 
O co-piloto ligou para um cidadão X, e fomos para um bairro bem estranho, no meio do nada, onde se encontrava um cubículo com uma placa: “Money Exchange”. Meu Deus! Batemos na grade e vi um cara dormindo em cima de uma mesa. Levantou, trocou meus dólares por rúpias e pronto: vamos para Pune (180km de Mumbai).

No meio do caminho fiquei com medo de o motorista ficar desidratado – porque ele cuspia a cada 7 segundos, cronometrados, pela janela. Eu comia batata e água atrás.
Acabei cochilando por alguns minutos e acordo em um posto de beira de estrada ao som do motorista: “Toilet, sir”. Era tudo que o motorista sabia falar quase. Foi terrível manter uma conversa monossilábica em inglês e sem entendimento algum por várias vezes -  e várias horas. Ele desceu do carro, foi ao banheiro e eu ainda abria a porta. Moscas pousavam no meu braço e fiz uma espécie de dança da macarena para me livrar delas.
Os indianos me olhavam como se fosse um alienígena. Também além da aparência nada indiana (obrigado, mãe!), vim de camiseta rosa e chapéu... Não ia sair de perto do carro nem ferrando... havia 3 caras que julguei “suspeitos” olhando para mim e para o carro, e eu tinha todas as malas e computador ali dentro. “Se for ao banheiro eles vão dar o golpe... abrir o carro e levar tudo. Vai que é complô do taxista com eles??”, pensei.
Queria que, ao menos, o taxista estivesse próximo do carro enquanto eu fosse ao banheiro. Quando o encontrei, disse, apontando o indicador na direção que queria: “Toilet, sir”. Ele me olhou com uma cara estranha... e aí vi que não era o meu taxista. Era um outro cara verde igual, juro!
Resumindo: imaginei que ia ter que fazer xixi na estrada se não fizesse ali e, como isso significa risco de vida aqui na Índia, saí correndo para o banheiro sem taxista olhando a minha mala mesmo, “tirei a água do joelho” e voltei o mais rápido que pude.
Reconheci o figura na volta, que foi super gentil me oferecendo seu café. Agradeci, mas não aceitei.

Continuamos a viagem “sem lei” com destino a Pune: sem cinto de segurança, ultrapassagens por todas as faixas e pedaços de faixa, buzinas (depois de oxigênio, a coisa mais utilizada pelos indianos), um sem-número de caminhões quebrados na beira da estrada sem acostamento, vaquinhas andando na pista, chuva e garoa alternando o tempo inteiro... uma maravilha!
Mas, para acalmar, e entrar no clima da novela, ops, da Índia... tocavam várias outras músicas típicas legais na rádio.

De repente o taxista saca tabaco de algum lugar, coloca na mão, junta com uma pasta branca, esfrega... e, não, não fuma. Ele coloca entre os dentes. Eu pergunto, no “monossilableis”... “You eat that?” -  claro, com a mímica de colocar algo na boca e falando a palavra “eat” em alto tom. Sempre com cara de bobo que não conhece coisas legais como comer tabaco... pergunto:  “Good??”. “Good”, respondeu.
Dá-lhe cuspe pela janela!!!!! E segue a viagem...

Entre as buzinas e as ultrapassagens/desvios de vacas, rickshaw (uma moto-carro, típido daqui), caminhões, pessoas... acabei perguntando quanto ele me cobraria para estender a viagem por mais 130km, até Satara – onde havia, segundo minhas informações, vários ônibus para Mhaswad (de Pune só há um por dia, às 14:30h). De fato, não queria ficar “jogado às moscas” das 8:30h da manhã até as 14:30h em Pune, em alguma estação rodoviária horrível. E, nessas alturas, 70 reais a mais ou a menos... enfim, acabei pagando o que ele pediu sem muito direito a choro – porque a mímica de choro não foi tão efetiva também.

Caí no sono violentíssimo que me deu novamente. Acordei com o “my frrrrend” me dando seu telefone celular e dizendo “my boss”. Atendi e o cidadão, chefe dele (acho que era o co-piloto lá de Mumbai) reclamava dizendo que eu tinha que pagar mais do que havia pago para o restante do trajeto porque o motorista havia se equivocado no valor adicional, que não sei o que, que não sei o que lá... terminamos bravos um com o outro e respondi “Tá bom, vou falar com o motorista aqui”. Resumo, dei uma gorjeta pra ele no final e não paguei mais nada. Po, vai mudar o preço depois que eu já fechei o negócio!?!?!? Nem aqui, nem na China... (que é aqui do lado).

Logo que chegamos à Satara, ele me levou a um caixa eletrônico onde, finalmente e graças a Deus, consegui sacar dinheiro (porque em Mhaswad não tem caixa eletrônico). Voltamos para a estação de ônibus de Satara, onde eu ficaria para pegar o ônibus para Mhaswad. Ele desceu comigo para ajudar, pediu gorgeta, dei a gorgeta e foi caminhando na frente para me mostrar onde eu pegaria o tal do ônibus, enquanto isso eu o seguia no meio da multidão com minha mala de 25kg e minha mochila. Encontrou um cara aleatório ali parado, explicou para ele o meu caso e foi embora. Esse cara (um advogado) me ajudou a ver qual ônibus era exatamente e me orientou como fazer. Falei com o motorista que abria a porta enquanto um bando de desesperados se empurravam para entrar no ônibus, como em uma competição para ver quem entrava primeiro (com premiações também para quem empurra mais e quem consegue passar no menor espaço mais rápido). Pensei que ia ter que ficar de pé por 2h, mas acabei achando um assento livre e acabei conhecendo outro indiano que sentou-se ao meu lado (falava inglês, o melhor de todos até aquele momento) e que me foi contando histórias e me ajudou pedindo ao motorista que me avisasse quando chegasse meu ponto de parada – porque ele ia descer antes.

Quando desceu, outro indiano sentou-se ao meu lado e só escutei algo vindo dele quando minha cabeça caiu sobre seus ombros enquanto eu caí no sono... tava morto! Imagina o cansaço para dormir em tamanho desconforto. De repente, o ônibus para, descem todos, menos eu e o cara do meu lado. O motorista se dirige a uma oficina onde jogam água na roda dianteira...e vejo fumaça saindo dalí. 
“Pronto, quebrou o ônibus... por isso todos desceram”, pensei. Perguntei se estava tudo ok, e recebi um ok de volta de uma pessoa que não entendeu muito bem a pergunta acho. O ônibus em seguida dirigiu-se a uma oficina onde fizeram alguns reparos nesta roda dianteira. Descobri que era o freio que tava ruim. Tranquilo... só o freio! O motorista saiu e testou bem (para que eu não dormisse mais acho) e vi que já tinha voltado a funcionar... segue a viagem com freio agora.

Chego à estação local de Mhaswad! Como as rodoviárias anteriores, um chão de terra, com vários ônibus velhos, barracas de comida e gente por toda parte (me olhando, claro).Pergunto a alguns onde havia um telefone público. Me mostraram uma barraquinha, dentre as mil que havia, com um telefone amarelo sobre o balcão. Troquei 10 rúpias por moedas e liguei para a Vanita – pessoa do banco com quem venho falando ultimamente sobre esse processo do voluntariado. Enquanto falava, apareciam em minha frente alguns celulares tirando foto da minha cara - imagina um braço vindo do nada com um celular na frente da sua cara. Praticamente um alienígena na cidade. Não me movi... me fiz de morto (que fala ao telefone).

Tomei um ruckshaw pela primeira vez (e foi super legal) e cheguei ao banco. Logo encontrei Vanita e outras pessoas que trabalham aqui e cujos nomes não serei capaz de memorizar nunca acho. De repente, vejo uma pessoa ocidental sentada em um computador e pergunto “você é voluntária?”, e ela “sim, sou sua companheira de casa também”. Foi um pouco da salvação... uma italiana cientista social. Foi a mesma sensação de encontrar um brasileiro no exterior... somos semelhantes! Ou, melhor, igualmente diferentes dos demais aqui. 
Comi a primeira comida com as mãos, chapati (uma espécie de panquequa/pão sírio) com várias coisas apimentadas, sopa e pão.

Conversei com a CEO, Chetna, e já discutimos dois projetos possíveis sobre os quai vou me interar mais hoje porque ontem estava exausto e não podia ler ou fazer nada que exigisse atenção. Vi que temos internet wireless relativamente boa no trabalho e fiquei mais tranqüilo.

Voltei para casa com a Emília, a minha companheira italiana. Ela chegou sozinha aqui há 3 semanas e me contou todos os apuros que já passou. Mulher é ainda pior... alienígena com duas cabeças quase.

Nossa casa é simples, dois quartos, uma sala e uma cozinha. O banheiro fica do lado de fora, não tem água quente, nem privada. E do lado do banheiro é o lixão da nossa casa e dos vizinhos – porque aqui não há coleta de lixo(!). Disseram “coisas mais pesadas devem ser atiradas no fundo da casa, as mais leves, na frente”. Sensacional! 
Daí pergunto... 
- “mas, e aí?? Como não coletam nada, o lixo fica ai fedendo??”. 
Resposta: 
- “Não, eles trazem uns animais ai durante o dia para comer”.
.
As 20h nos trazem a janta, assim como trouxeram o café da manhã as 8h hoje. Somos uma espécie de prisioneiros: recebemos a comida do dia nos horários certos. Hoje comi várias coisas que não tenho idéia ainda do nome, apimentadas sempre, mas saborosas. Geralmente se come no chão, então tenho feito isso também. Talher? As vezes acho uma colher para judar... 

Enfim, hoje começou a brincadeira de verdade e quero ver se consigo fazer algo que os ajude em algo. Já visitei uma agência, a rádio onde eles têm programas educativos para as pessoas do campo e também fui a uma estação móvel de educação (um ônibus que vai até as vilas ensinar as mulheres a costurar). Muito bacana!

E foi só o primeiro dia... (deu quase um livro!). Coloquei algumas fotos ai da vinda, embora não tive coragem de tirar a câmera do bolso todas as vezes que quis fazê-lo. Vou tirando outras e vou colocando por ai...

Aguardem as cenas do próximo capítulo...

8 comentários:

  1. Aê Santa,

    comentário 1: acho que as cenas narradas em fotos valem mais que mil palavras, até mesmo mais do que a câmera eventualmente "extraviada". Tire-a do bolso, ou então, compre outra mais barata por aí, que não lhe custe tanto a perda.
    Cometário 2: Dei uma olhada nas fotos e, não é por nada não, mas cidades do "agreste" nordestino têm imagens muito próximas a estas que você fotografou... Ex: trânsito sem lei, animais nas ruas, carros, ônibus estrupiados, pessoas pobres sendo transportadas nas "malas", motocicletas fazendo serviço de caminhonetes, hehehehe.. Acho que a maior diferença seja a quantidade de pessoas e de tudo isso que falei multiplicado por 10x (proporcionalmente ao coeficiente populacional).
    Infelizmente, neste sentido, o BRICS é muito parecido ainda...
    Abraços e curta muito tudo isso!!!
    Baiano.

    ResponderExcluir
  2. Ahhh, já ia me esquecendo.

    Se algum dia desses você tiver a oportunidade de ir comigo a Encruzilhada-BA (cidadezinha do Sudoeste do estado onde mora meus avós e tios maternos) creio que não tirarão os celulares do bolso para fotografá-lo ao acaso, mas com certeza, ao chegar na praça principal da cidade, muita gente viria ao nosso encontro pra saber quem é o "gringo".
    OBS: depois te conto uma aventura minha e do Jonas por lá...

    ResponderExcluir
  3. Nossa!!!!!Deve ter sido divertido pois o que mais gosto em viagens sao surpresas agradaveis ou nao mas sao elas que dao uma apimentada.Conheço um pessoal que foi para a India e os relatos realmente sao esses apesar que ficaram em hoteis (mais conforto), mas menos interessante.Aviso: nao como nada na rua nem agua ate mais

    ResponderExcluir
  4. Ma, nao sabia da sua aventura! Vou acompanha-la de perto! Adorei tudo o que vc escreveu! Boa sorte e nos mantenha atualizados das suas Aventuras! Beijos

    ResponderExcluir
  5. Sem privada, coleta de lixo e talher, não é a toa que a comida é apimentada... Já tomou um vermífugo? Tava preocupado com papel higiênico... Tenho certeza que é das suas menores preocupações agora, né Santa!? Haha... Conta mais do projeto social? Tô curiosa!!! Bjão! E força na peruca!

    ResponderExcluir
  6. mto legal.... queria saber mais sobre projeto tb...vai postando... bjs

    ResponderExcluir
  7. ps. adorei a parte da descricao do vôo. Foi perfeita. rs. A melhor parte foi a da sra limpando o pé na sua blusa...rs.

    ResponderExcluir
  8. Santa, apesar de poucas, são boas as fotos
    porque o mosquiteiro, malária?

    se cuide aí e busque realizações que tragam paz e plenitude

    um abraço

    ResponderExcluir