terça-feira, 5 de julho de 2011

Pandharpur: programa de Índio na Índia


Como aqui trabalho de segunda a sábado, resolvi fazer a primeira viagem neste domingo. Destino, indicado por um indiano que trabalha comigo: Pandharpur.

Trata-se de uma cidade a 60 km daqui, muito famosa e importante por ser um lugar de peregrinação deles aqui no estado de Maharashtra. Fica localizada no banco de um rio chamado Bhima e possui um templo Hindu com a imagem do deus Vithoba (uma forma do Deus Krishna. Eles têm, se não me engano, mais de 20 milhões de entidades religiosas... ou seja, é Deus que não acaba mais!).
Data da peregrinação: Julho. 
Quantidade de pessoas: “só” uns 800 mil peregrinos. 
Ou seja, fomos eu e a Emília para um lugar tranqüilo, calmo, sem muita gente e sem multidão – assim como todos os lugares aqui na Índia.

Tomamos um ônibus de Mhaswad para Pandharpur depois de escrevermos o nome da cidade destino em um papel e perguntar às pessoas na estação de ônibus. Rapidamente estávamos sentados no ônibus, com as máquinas fotográficas em mãos e com os olhares de vários indianos sobre a gente. Primeira parada e entra um cidadão de turbante rosa e senta entre os 10 cm que me separavam do indiano ao meu lado. Saca do bolso tudo que se pode imaginar: frutas vermelhas, manga, amendoim, pano para limpar um pouco a boca, a cara, a perna, o ônibus, de novo a boca, depois o olho, depois guarda o pano na cueca. 
Até ai, tranqüilo. Só tive que tomar cuidado para ele não manchar meu tênis com os caroços e lixos que ele produzia e atirava ao chão.

Um tanto tranqüilo (padrão indiano, claro) até chegar a Pandharpur. Saímos e, de novo com auxílio de um papel escrito e um bom inglês com sotaque indiano, tomamos um rickshaw para o templo. Pousamos (sim, alienígenas pousam) perto do templo e já começou a sessão “olha os alienígenas...”, “vamos tentar falar com eles”, “how are you”, “which country (pronúncia: “ich contrrri”), etc... depois de uma sessão a la “sou o vereador da cidade” (pois abanava a mão aos meus “eleitores” sempre que podia – até a Emília começar a ficar incomodada com a multidão nos olhando). 

Fomos até o rio ver o festival (sim era um festival, do tipo piscinão de ramos): todo mundo nadando, outros lavando roupa, outros urinando, outros tirando foto da gente, outros pedindo dinheiro, outros... enfim. E tudo isso no meio de uma espécie de lixo-rio. Tinha de tudo lá.
- “Vamos ao templo então ver o tal do Deus lá?”.
- “Bom, viemos pra isso, não”
- “Temos que deixar a câmera e o celular em um locker aí e vamos então”. Uma pena, não tiramos fotos da parte mais emocionante.

Havia duas filas: uma para os mais devotos que tinha mais de 8 km de extensão (e devia demorar uma eternidade) que levava até o centro do templo onde ficava a imagem do Deus e onde os peregrinos beijavam o pé da imagem de Vithoba; e outra fila, mais curta e rápida (tipo 200 metros - um atalho mesmo) que levava até um lugar a uns 10 metros da imagem e, de onde, através de uma janelinha, podia-se ver os indianos(que vinham da fila gigantesca) fazendo o ritual do “beijo no pé”.
Entramos na fila. “Por favor, senhor, não é permitido entrar de tênis”. Entramos descalços na fila... lugar limpo, tal. Super tranqüilo, tomei a vacina do tétano antes de vir.

Daí começou a emoção. Já entrei no templo sem saudar o elefante(um Deus do hinduísmo também, chamado Ganesha) da entrada e fui xingado (suponho pela expressão e a mímica do cara bravo pela minha falta de respeito), daí passei no detector de metais e fui espremido por uma senhora que queria passar o seu filho antes de mim. Depois de não entender nem 1% do que a guarda me dizia, segui o fluxo da boiada com a Emília.
Então vimos a fila para entrar, de verdade, no templo e chegar próximo do “Deus do pé”. Entramos na fila.

Ninguém respeita ordem aqui, é sair um correndo na frente do outro e quem chegar por último é a mulher do padre (ou sapo?). Até ai, tinha um corredor de uns 3m e então a galera ia em fila de 10 pessoas paralelas ou mais... um passando na frente do outro, cotoveladas, etc. Mas aí chegou a hora mais legal de todas: o funil do terror! Era onde a fila se transformava em fila única!!!! Uma alegria aquele povo suado me encoxando.

Conseguimos entrar na fila única graças aos meus treinamentos nos jogos do Corinthians no Pacaembu, senão estávamos ferrados. A única diferença é que não fui roubado, embora estivesse atendo aos meus bolsos o tempo todo. De fato me senti entrando em contato mesmo com a cultura indiana. Em contato forte, de doer até.

A primeira vez que perdi a paciência aqui na Índia foi nessa hora por conta de duas senhoras atrás de mim. Era a fila dar um passo, e a senhora mais próxima de mim queria dar dois. Segurava na barra lateral na frente da minha mão (sendo que ela estava atrás), e quase cortava meu calcanhar com as unhadas (e que casco ela tinha, pqp!) que dava por baixo, e peitadas nas costas. Eu comecei a ficar indignado... falava para a Emília: “vou dar uma cotovelada na cara da véia daqui a pouco, juro”. Ela me acalmava... e daí eu comecei a provocar. A fila andava e eu fechava a passagem da véia e ia devagar até ela grunhir de nervoso (detalhe: eu deixava de andar 80 cm acho e não suportava mais o nervosismo dela atrás, reclamando... como se fôssemos chegar mais rápido ao final se eu desse aquele passo mais rápido!). Fiz umas seis vezes até a Emília me pedir para parar porque estávamos em um templo religioso deles.... mas eu tava nervoso, juro! Não é possível!!!! Daí, quando me empurrou e grunhiu de novo, eu olhei para trás e falei (sem ela entender mesmo) com cara de puuuto da vida: “quer passar?!!? Então passa, por favor... vai, vai... PQP”. Daí foi a minha vez de mostrar como se faz: pedi licença à Emília e assumi a dianteira, me colocando atrás das duas velhas. Daí foi legal... era "jogo de corpo" forte, mas não fiz falta, sério. Hora que a véia gritava, eu parava um pouco... e pena que cortei minha unha um dia antes, senão ia ser unhada no calcanhar dela (se bem que era mais fácil eu quebrar a minha unha), e ia tentar dar umas unhadas na canela também acho!!! Nunca vi aquilo!!!! Impressionante... animais de verdade, sem noção alguma de respeito.
Mas graças a Deus, consegui me conter antes de querer espancar a pobre senhora sem educação. Mas quando ela reclamou pela segunda vez eu queria muito que ela me entendesse... “tá vendo, véia... você tava fazendo isso comigo?? Você não achou legalzinho??”, mas não foi possível e voltei ao meu momento “programa de índio” naquela fila e que, desta vez, estava mais calma – ainda bem - por conta de um indiano que falava inglês e era bem mais educado e gentil atrás da gente.

Fomos até o local sagrado, demos um “alô” para o cidadão famoso deles e, suados que nem porco e cansados pela 1:30h de confusão, saímos descalços em busca dos nossos sapatos.
Chegamos ao local dos sapatos e pediram para tirarmos uma foto com eles (afinal somos celebridades, certo!). Tiramos, claro.

Voltamos para o Rio antes de ir embora e, chegando lá, vimos várias coisas bem usuais, no meio de toda aquela gente "na praia": um cara fazendo a barba de outro no chão, um outro que tinha dois macacos chupando sorvete no colo, mulheres lavando roupa no rio, pessoas falando oi para gente e, o mais curioso, foram uns caras que vieram com câmera e microfone, acompanhados de outros, me pedir uma entrevista. Depois de tentar fugir e dar risadas olhando para os lados sem saber o que fazer, aceitei o convite e discorri sobre o que tinha achado de Pandharpur, do templo, do rio, das pessoas. Claro, falei que foi fantástico ver aquilo tudo, que adorei duas velhinhas que tinham atrás de mim na fila, que o rio era muito limpo e bonito (a foto da entrevista).
Aliás, uma hora estava eu tirando uma foto, concentrado dando um zoom para pegar alguns detalhes e escuto uma risada da Emília, que estava a uns 5 metros de mim. Olho para trás e, sem brincadeira, tinha uns 5 caras "pescoçando" para enxergar a imagem que tava fotografando. Puta susto!!! Mas rendeu algumas risadas e alguns apertos de mão... e foi ai que surgiram outros "amigos" que queriam tirar foto comigo. Colocaram os mais novos na frente de mãos dadas e tentavam nas mãos e me abraçar. Uma maravilha!!! (a foto dos amigos).

Finalmente, depois de um dia longo, conseguimos achar cerveja para comprar (estávamos atrás disso fazia alguns dias já), porque em Mhaswad não há. Compramos a cerveja e fizemos toda a aventura para voltar para casa de novo.

Se o Nelson Rubens tivesse escrito esse texto ele diria "não aumento, nem invento aqui na Índia", é a mais pura e dura realidade.
Mas, apesar de tudo, o povo daqui é sempre muito amigável e sempre faz questão de ajudar, o tempo inteiro, mesmo que não falem inglês. Mas uma coisa que incomoda um pouco é a falta de higiene deles, sobretudo com as mãos (que tocam tudo e depois vão até a boca, e depois te cumprimentam também) e com o lixo. Um pouco difícil de pensar que aqui ninguém se preocupa muito com isso... não há, como já falei, coleta de lixo, não existe preocupação ambiental alguma - é uma poluição e uma sujeira onipresente. E, por isso, vêm todos os problemas com as doenças. 
Acho que nunca me deparei com tamanha pobreza e falta de educação de um povo dessa maneira. Um pouco triste e um tanto desconfortável.

Próximo post conto sobre o projeto e o trabalho que estou envolvido aqui.

Até!!!

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