terça-feira, 9 de agosto de 2011

Densa Índia...




Há mais de um mês, eu chegava a Mumbai e iniciava um período interessante de meu sabático: vivenciar algo distinto, uma cultura totalmente diferente... e não imaginava o quanto.


Assustei diversas vezes com o que vi, me encantei com outras... e, no final da história, tenho mais uma semana para deixar este país, que não esquecerei jamais – seja pelo que aprendi e vi, seja por tudo aquilo que pensei enquanto me deparava com uma vida precária, em uma zona rural, com milhares de indianos que não têm idéia, nem de longe, do que é uma vida do lado ocidental do globo, cultural e socialmente falando.

Viajei o quanto pude no pouco tempo que aqui fiquei: cidade de peregrinação hinduísta em Pandharpur, montanhas em Mahabaleswar, as famosas carvernas (templos) esculpidas na rocha em Ellora e Ajanta, a capital Delhi e Agra (onde fica o Taj Mahal), e Pune. Não consegui ver o lado meditação e yoga tão famosos na Índia – mas vi bastante a apreciação religiosa deste povo por suas mais diversas religiões.

Não tenho a intenção, nem pretensão, de desencorajar quem quer que seja que esteja interessado em fazer uma viagem à Índia, mas particularmente acredito que não volte para cá por um bom e longo tempo. Um país bastante interessante, como disse, mas bastante caótico e desagradável muitas vezes – pela temperatura agora neste clima monçônico sobretudo, pela falta de senso de “personal space” das pessoas, pela multidão que te cerca e te olha o tempo inteiro e, não menos importante, pela noção de higiene com as mãos, água e comida.

A gastronomia vegetariana, no entanto, me surpreendeu bastante: sempre bastante saborosa, embora achasse que o sabor “bom” que sempre fui acostumado fosse inerente à carne e sua gordura. Dei-me bastante bem com isso, apreciei a comida apimentada de todos os dias, os sempre presente “chapatis”, arroz e amendoim.

A música, embora não saiba muito o seu significado, é onipresente: você escuta seu vizinho tomando banho cantando, os carros, tratores e motos na rua com seus rádios ligados em alto volume, os celulares das pessoas em bom som, e até as buzinas de todos os tipos de veículos se transformam em música (irritante, confesso... mas parte da sonoridade indiana).

As cores da Índia são a coisa mais fantástica: tudo, sem exceção, é muito rico em cores sempre fortes – dos sáris das mulheres e turbantes dos homens aos templos hindus. A arte têxtil deste país, portanto, é muito rica em criatividade, qualidade e beleza.

As religiões são sempre envoltas de muitas histórias, lendas, mitos. 75% da Índia é hinduísta, 15% islâmica, e os 10% restantes se dividem entre budismo, sikhismo, jainismo e catolicismo. A que mais gostei, e com cuja tive mais contato, foi a hinduísta com seus mais de 36 milhões de deuses ligados à trindade principal dos deuses Shiva, Vishnu e Brahma. Ganeshi, o elefante, e um dos filhos de Shiva, tem sua importância nacional, sobretudo no estado onde moro, em Maharashtra, e com o qual mais me identifiquei por seu significado de “prosperidade, sorte e remoção de obstáculos”: de empresas que iniciam suas atividades a estudantes na véspera de uma prova, todos reverenciam Ganeshi para terem sucesso e boa sorte na “nova etapa”. E isso é o que me contagiou: um deus hindu que vou levar comigo, para este novo ciclo que se inicia em minha vida agora quando voltar ao Brasil.

Os idiomas são muitos: 26 línguas em 32 estados, onde cada estado tem sua própria língua/dialeto. O hindu é o mais falado em número de pessoas. Em Maharashtra, o idioma é o Marathi. Em Punjab, o punjabi...em Assam, assamese... e assim por diante.

O esporte principal é o críquete. Em qualquer direção que você olhar aqui, é possível encontrar um grupo de crianças jogando este esporte - a paixão nacional deles, como a nossa pelo futebol. A última copa do mundo de críquete foi em Mumbai, e a Índia foi campeã. Um amigo indiano me disse que em frente ao estádio, o tráfego ficou interditado por dois dias devido à comemoração e a cidade, que já é caótica, virou um inferno. Eles, assim como nós brasileiros, param tudo para ver os jogos, ninguém trabalha praticamente. Eu gostaria de entender um pouco mais das regras, mas ainda não consegui parar para “estudar”, só para ver... e percebi que é uma prática derivada do beisebol (ou vice versa).

A pobreza, pelo menos por onde passei, parece constante e um modo de vida que se torna, ou é tido como, natural ou normal. Tenho a sensação de que, embora não conheça tanto o Brasil, somos um país em desenvolvimento bastante à frente da Índia: seja na tecnologia (da agricultura às redes de transporte de energia), no saneamento básico, saúde e, porque não, na qualidade de vida. Desculpo-me por minha visão limitada, mas ainda não vi no Brasil o que presenciei aqui, ainda que imagine que deva haver, infelizmente, muita coisa parecida, sobretudo em regiões mais pobres do norte e nordeste do nosso país. A coisa mais chocante para mim aqui foi ver as pessoas fazerem suas necessidades na rua. Toda manhã, quando vou ao futebol, cruzo com dezenas destas pessoas - todas portanto um baldinho de água, andando cada um em uma direção, procurando um lugar "mais tranqüilo" para defecarem.

O trabalho no banco e o projeto para as crianças em Mhaswad acho que superaram minhas expectativas, em ambos os extremos: o trabalho no banco, talvez por eu ter colocado muita expectativa (como um mal costume que tenho, e que preciso aprender a controlar e mudar), me entristeceu um pouco. Não tive a atenção e comprometimento, seja do staff do banco, seja da própria direção. Achei que um voluntário vindo de tão longe, que arcou com todos os custos, de passagem, a estadia e alimentação - e com TODA a energia possível voltada para ajudar - deveria ser mais valorizado. Tentei fazer tudo que esteve ao meu alcance, mas não sei mensurar o quanto consegui ser útil para uma organização que, infelizmente, não tenho certeza de que objetivos e valores tem em mente. Mas isso é um assunto particular para outra hora...e não convém aqui. O que foi para mim a melhor experiência e, sim, dependeu deste banco e desta organização não-governamental, foi eu ter tido uma “luz” para criar algo que me motivou o tempo inteiro, me emocionou, me surpreendeu pela participação de tanta gente, pela repercussão que teve, pelos inúmeros e-mails carinhosos que recebi de gente próxima e até desconhecida. Não tenho dúvida em afirmar que este projeto foi a coisa mais interessante e de sentido verdadeiro que já fiz em toda minha vida - com início, meio e fim – embora queira crer que isto não seja um fim, nem para a fundação Mann Deshi (que espero que continue com a idéia de alguma maneira), nem para todas as pessoas que consegui “atingir” com essa causa e que pararam para pensar que, com uma simples idéia, podemos (e somos muito capazes) mudar alguma coisa, por mais simples e banal que seja, como um par de tênis que pode trazer alegria, confiança e motivação para uma criança praticar esporte de modo mais seguro e adequado.

Estou terminando o “capítulo 3” da minha viagem, mas quero muito olhar para trás e ver o quanto foi engrandecedor, mesmo passando por muitos “perrengues”, ter vivido estes quase dois meses aqui.

Agora vão faltar os adendos deste capítulo... na Tailândia, Indonésia e Emirados Árabes Unidos. Depois, dentro de um mês, retornarei ao grande e maravilhoso BRASIL, meu país que, ainda, não consigo trocar por nada que já vi neste mundo inteiro.

Queria ter escrito capítulos mais específicos sobre as histórias engraçadas (como andar em TRÊS numa moto, eu e mais dois indianos), perrengues, micos, impressões que tive aqui neste período “indiano”, mas me dei conta que estou no final da trajetória e achei melhor fazer um resumo todo de minhas impressões como tentei nesse post. Com cerveja em uma mesa, no entanto, vou ter muitas mais histórias para contar... ah, se vou! :-D

Valeu por todas as mensagens e vibrações positivas até aqui!


Volto logo com a história dos tênis...

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